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Rubel Instagram – Ontem vi Fernanda Montenegro lendo trechos de “A Cerimônia do Adeus” de Simone De Beauvoir no teatro. O tempo todo eu só conseguia lembrar de Fernanda Torres encenando “A Casa Dos Budas Ditosos”, de João Ubaldo Ribeiro, poucos meses antes. 

Existe algo paralelo e misterioso entre esses dois acontecimentos. Para além do fato óbvio de serem mãe e filha, duas atrizes, duas Fernandas, há muitas coincidências e ironias no diálogo entre os textos e a encenação que me fizeram pensar se foram escolhas conscientes das Fernandas, se Deus é um cara gozador que adora brincadeira, ou se eu só estou buscando ver coisa onde não tem. Vamos aos fatos.   

Uma senhora, do alto de sua velhice, relata, em primeira pessoa, o sabor de sua vida, se dedicando sobretudo ao sabor de suas experiências sexuais – quem amou, quem trepou, quando, como e por quê? – como instrumento para se alcançar o próprio sentido da vida.  

Essa sinopse que acabei de improvisar toscamente poderia servir tanto para a leitura de Fernandona quanto para o monólogo de Fernandinha. Quando li “A Casa dos Budas Ditosos” (uma ficção travestida de biografia), fiquei pensando em como era inusitada essa premissa de uma velha safada rememorando suas sacanagens, e sempre tentei imaginar de onde João havia tirado essa ideia maluca. Ontem encontrei uma hipótese: lá está a origem, límpida, em Simone De Beauvoir, uma velha safada rememorando suas sacanagens – e que fique claro que aqui tanto velha como safada são exaltações e não deméritos. Não sei se Joao Ubaldo Ribeiro de fato se inspirou nos relatos biográficos de Simone, mas fica aqui minha hipótese. 

Explicitadas as semelhanças, vamos às diferenças. Uma é francesa. A outra baiana. Uma é a autobiografia de uma mulher. A outra é personagem inventada por um homem. Daí já se desenrolam todas as outras. A de João é verborrágica, escrachada e sem vergonha. Conta detalhes do pau de seus amantes, de como comeu e de como foi comida. Tudo dito com graça baiana. Simone fala também sobre tudo isso, mas implicitamente, sem dar nomes tão claros aos bois, sem criar imagens tão vividas na cabeça de quem ouve. Está tudo ali, sugerido, com elegância francesa. 

(Continua nos comentari | Posted on 24/Mar/2024 22:13:01

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